Os primeiros sinais de mudança na política fiscal do governo foram encontrados na edição de ontem do “Diário Oficial da União”. A presidente Dilma Rousseff vetou integralmente um artigo da Lei Complementar 148 que ela mesma propôs ao Congresso Nacional, no início de 2013. Na época, Dilma queria mudar o dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que obriga o governo a compensar, com aumento de outros impostos, as desonerações tributárias que impliquem renúncia de receita. Agora, não quer mais trilhar esse caminho.
O mais espantoso foi o argumento utilizado pela presidente da República para justificar o veto. De acordo com a mensagem nº 407 que ela encaminhou ao Congresso, as alterações na LRF “foram propostas em momento de expansão da arrecadação”. O veto justifica-se, prossegue a mensagem, “pela alteração da conjuntura econômica”. Ou seja, a presidente quis mudar uma lei que define princípios e normas permanentes para uma gestão pública responsável por causa de uma “conjuntura econômica”. Passada essa situação favorável, a mudança para ela não é mais necessária.
Na verdade, a alteração na LRF foi proposta pelo governo porque, em seu primeiro mandato, Dilma realizou uma agressiva política de desoneração tributária e o artigo 14 da LRF era um obstáculo a essa política. Este artigo exige que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária, da qual decorra renúncia de receita, deverá estar prevista na lei orçamentária ou ser compensada pelo aumento de receita, por meio de elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo, de forma a não afetar as metas fiscais.
Próximo passo pode ser um limite para as despesas correntes
Na exposição de motivos que acompanhou a proposta de mudança da LRF feita pelo governo em 2013, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o artigo 14 da LRF não prevê o uso do excesso de arrecadação como fonte de compensação de renúncia tributária e nem a possibilidade de que o governo ajuste a programação orçamentária e financeira do ano para adequar essa renúncia à meta fiscal.
Está claro atualmente que a política agressiva de desoneração tributária realizada por Dilma em seu primeiro mandato não atingiu os objetivos colocados pelo governo, de dar maior competitividade às empresas brasileiras e de aumentar os investimentos privados. A Formação Bruta de Capital Fixo – medida oficial do investimento na economia feita pelo IBGE – está em queda há quatro trimestres consecutivos e atingiu 16,5% do Produto Interno Bruto (PIB), o seu nível mais baixo desde 2006.
As exportações brasileiras também caíram e não está descartado um pequeno déficit comercial neste ano. Se a previsão de déficit se confirmar, será o primeiro desde 2000. Reportagem do jornalista Lucas Marchesini, do Valor, mostrou que um quarto da perda de receita com a desoneração da folha de salários foi para empresas que demitiram trabalhadores depois de terem recebido o benefício. O fato é que as desonerações não ajudaram a alavancar o crescimento do país. Por isso, ouve-se com facilidade, dos próprios líderes do PT, críticas às desonerações.
O efeito das desonerações tributárias sobre a receita da União foi devastador. Estimativa divulgada pela Receita Federal mostra uma perda de R$ 84,46 bilhões de janeiro a outubro deste ano com as desonerações instituídas desde 2010. No mesmo período do ano passado, a perda tinha sido de R$ 62,88 bilhões. O efeito das desonerações sobre a receita foi eleito pelo próprio governo como um dos responsáveis pelo não cumprimento da meta fiscal deste ano. É importante observar também que as metas fiscais de 2012 e 2013 só foram cumpridas parcialmente e, mesmo assim, com a ajuda de truques contábeis.
É muito provável que o veto ao artigo primeiro da lei complementar 148 tenha sido feito depois de a presidente Dilma Rousseff ter ouvido a opinião do futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que será anunciado hoje. Levy sabe, perfeitamente, o efeito que essa mudança na LRF causaria nas expectativas do mercado, pois agravaria o descrédito do governo na área fiscal, provocado também pelo recálculo retroativo das dívidas de Estados e municípios, autorizado pela mesma lei complementar 148. A renegociação de débitos entre entes públicos também estava proibida pelo artigo 35 da LRF.
Além disso, o veto indica que Dilma encerrou a fase de desonerações tributárias realizada em seu primeiro mandato. É provável que essa decisão também tenha sido tomada após consulta a Levy, um conhecido crítico das desonerações, principalmente da folha de pagamentos. Está claro para todos os especialistas em finanças públicas que se o governo Dilma quer realizar um ajuste nas contas públicas nos próximos anos, buscando produzir superávits primários que mantenham a dívida líquida do setor público estabilizada em proporção do PIB, não há mais espaço para esse tipo de política.
A presidente anuncia hoje os futuros ministros da Fazenda e do Planejamento, respectivamente Levy e Nelson Barbosa. Na solenidade, a expectativa é de que Dilma fale sobre as diretrizes da política econômica em seu segundo mandato e que Levy e Barbosa respondam a perguntas dos jornalistas. A principal questão a ser esclarecida é se a meta de superávit primário de, no mínimo, 2% do PIB para o setor público em 2015, prevista no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), será mantida.
O sinal que o mercado espera de Levy é a definição de um limite para os gastos correntes, mesmo que sejam apenas para as despesas discricionárias. Esses gastos não poderiam crescer, por um determinado período de tempo, acima da variação nominal do PIB. Ou seja, não aumentariam em proporção do PIB por um bom período. Há muito tempo o futuro ministro da Fazenda defende essa tese, de acordo com alguns de seus interlocutores. Se aceitou o cargo, Levy provavelmente convenceu a presidente sobre a necessidade da medida. Mas há muitas questões ainda indefinidas, como, por exemplo, qual será a relação entre o Tesouro e os bancos públicos, principalmente o BNDES, daqui para frente.
Fonte: SPED News